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19 de novembro de 2015

'As pessoas precisam nos ouvir verdadeiramente', alerta representante de mulheres com deficiência


Mirella Ballatore Tosta, 52 anos, é coordenadora da Comissão de Mulheres com Deficiência de Campo Grande   (Foto:Arquivo Pessoal)

Mais difícil que controlar a cadeira de rodas ou deixar-se orientar pelos pisos táteis é ser percebido pelas pessoas ditas "normais". Essa é a realidade de centenas de mulheres com deficiência que precisam lutar diariamente para terem direitos básicos concretizados.

Mirella Ballatore Holland Tosta, de 52 anos, é uma dessas mulheres. Cadeirante, ela foi diagnosticada com osteogênese imperfeita III, conhecida como síndrome dos "ossos de cristal".

"Nasci com quatro fraturas e cabia em uma caixa de sapato", diz. E por esse motivo, ela teve de enfrentar a discriminação dos outros desde a infância.

"Hoje em dia as pessoas são mais veladas em suas atitudes com relação à demonstração do preconceito, porque as vítimas estão mais bem informadas de seus direitos e podem processar o 'agressor', porque discriminação é uma agressão".

Um dos casos mais marcantes ocorreu quando ela foi, juntamente com a irmã dela, até o cemitério para visitar o túmulo do pai. Na ocasião, ela teve de ficar um tempo sozinha enquanto a família buscava informações sobre a localização da lápide e não demorou muito até que desconhecidos se aproximassem dela oferecendo esmolas.

"Pelo simples fato de eu estar parada, sentada numa cadeira de rodas, num cemitério".  Após o incidente, as duas acabaram deixando o local indignadas. Mirella conta que este não foi um caso isolado. "Preconceito eu sofro todos os dias, desde o momento em que decido sair de casa".

Quando o primeiro marido dela faleceu, ela teve de exigir da funerária que posicionasse o caixão de maneira que ela pudesse vê-lo.  "Eu quero ir num velório e pegar meu próprio café. Quero ver o morto no caixão. É dia a dia. É o feijão com arroz".

A COMISSÃO

E foi em busca desses direitos tão básicos que, em abril deste ano, Mirella assumiu a coordenadoria da recém-criada Comissão de Mulheres com Deficiência de Campo Grande.

O sonho dela é garantir acessibilidade total para as pessoas com deficiência, mas ela diz que ainda falta muito.

"Se você observar, não existe acessibilidade a surdos, a cegos, a anões.Não existe nas escolas, nos livros, nos cinemas, na televisão, nos teatros. Os bancos, igrejas, teatros, shoppings, nada é totalmente acessível  a todas as pessoas com deficiência".

Por mais clichê que possa parecer, Mirella afirma que as barreiras enfrentadas pelas mulheres com deficiência são consequência da total falta de amor ao próximo.

"A mulher já é marginalizada e sendo mulher com deficiência então, piora. Temos leis que nos favorecem, mas temos que lutar todos os dias para que sejam cumpridas. As pessoas não nos enxergam".

FAMÍLIA

E por ser vítima da "cegueira" seletiva dos outros é que Mirella decidiu voltar os olhos para além das mulheres com deficiência.  Agora, ela vai realizar o sonho de tornar-se mãe.

"Tenho consciência da minha idade, da idade do meu marido, das nossas limitações e optamos por essa idade. Até porque, a adoção tardia é muito difícil. As crianças vão crescendo nos abrigos e não são adotadas".

Em relação ao outro sonho, de acessibilidade total, ela diz que ainda é preciso lutar. "As pessoas não se colocam no lugar das outras. Esse seria o grande segredo da virada", declara.


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