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26 de novembro de 2015

'Tão importante quanto aprender Matemática é aprender a não tratar a mulher com machismo', afirma cientista social e professora

Fernanda Serafim é cientista social
e professora
(Foto: Reprodução/Facebook)
Outra feminista convicta aqui no Mulheres Inspiradoras. Desta vez, é a cientista social e professora da rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul, Fernanda Serafim, de 30 anos.
Observadora e sensível, ela luta contra o machismo diariamente. Para ela, as escolas são espaço público de atuação política e ser professora exige comprometimento com os direitos sociais.
Neste espaço, Fernanda falou sobre respeito, preconceito e o que a deixa indignada.

Lembrando que nesta seção "Ping-Pong", as perguntas são curtas, muitas vezes apenas vocábulos, mas a entrevistada tem a liberdade de responder o quanto quiser, como achar melhor e, de preferência, com aqueles primeiros pensamentos que vem à mente ao se deparar com a palavra. Confira!


1-Patriarcado:
Enquanto conceito utilizado pelo Movimento Feminista, dentro e fora das discussões acadêmicas, para a análise histórica da desigualdade de gênero, o patriarcado corresponde a um sistema integrado de instituições e relações sociais fundamentado na manutenção da dominação social-histórica da mulher pelo homem.
Etimologicamente, sua origem está no grego e significa o poder do pai, ou a centralidade da organização da vida em sociedade a partir do poder do homem. Em outras palavras, a partir da construção de uma sociedade hierárquica, em que a possibilidade das decisões políticas, sociais, econômicas e culturais estão centralizadas na satisfação e privilégio do gênero masculino, as mulheres são oprimidas desde suas relações imaginárias e subjetivas com o corpo e a psique até o acesso às condições sociais de transformação dessa opressão em liberdade.



2-Feminismo:
Não há como abordar o Feminismo sem problematizar as heranças da sociedade patriarcal, sobretudo, no sentido moral, ético e político; assim como, a importância de debater as práticas de machismo como um instrumento diluído em instituições e relações sociais cuja finalidade é a criação e manutenção do patriarcado e, consequentemente, da opressão das mulheres. Dessa forma, o Feminismo caracteriza-se por um movimento de resistência a desigualdade de gênero que luta por questões como a divisão das responsabilidades domésticas e familiares, igualdade de salários entre mulheres e homens, fim da violência doméstica e familiar contra a mulher, combate ao assédio moral e sexual, interrupção da gestação como questão de saúde pública, dentre outras.


3-Preconceito:
Atualmente, observo e analiso, sobretudo, pelo prisma das condições de trabalho e formação profissional, que o embate e o debate sobre o preconceito enquanto um instrumento social-histórico instituído pela sociedade está esvaziado, principalmente a partir de abordagens como o bullying. Ou seja, é como se o preconceito tivesse perdido seu caráter de formação histórica em prol da manutenção das relações de desigualdade em nossa sociedade. De acordo com Cornelius Castoriadis, de certa forma, o preconceito é parte do processo de humanização do indivíduo, uma vez que, para a constituição e sobrevivência de seu imaginário social, o indivíduo precisa sobrepor as suas características identitárias às do Outro, aquele que essencialmente é diferente do Eu. Por outro lado, a instituição do Eu só ocorre pela necessidade da relação com o Outro. Portanto, o desafio que temos pela frente é a maneira que significamos nossas diferenças, isto é, rompendo com a criação social-histórica do preconceito como um mecanismo de dominação do outro (por exemplo, o racismo), de ódio do outro (por exemplo, a xenofobia) em benefícios de determinados grupos.

4-Respeito pelo diferente:
Da mesma maneira que não podemos tratar do Feminismo sem abordar o patriarcado e o machismo, também não podemos discutir e o respeito ao diferente ou às diferenças sem abordar a alteridade e o preconceito. Para Chauí o preconceito é caracterizado por quatro aspectos: a negação do desconhecido/diferente; a transformação de visões superficiais em conceitos (estereótipos); o conservadorismo irredutível e inquestionável; a ambiguidade. O preconceito é considerado pela Filosofia o maior obstáculo do pensamento e de qualquer ação ética e política. O que isso significa? Que instituímos em nossa sociedade, por meio de cada uma de nossas relações sociais, imagens sociais do que representa, por exemplo, ser magro e ser gordo em nossa sociedade, isto é, atribuímos a determinadas características um significado positivo, em consequência, atribuímos ao oposto daquilo que é reconhecido como positivo o que significa negativo. O paradigma de sociedade que criamos reconhece como positivo as características sociais como: homem; branco; cristão; heteroafetivo; saudável; magro e, se não rico, ao menos economicamente ativo, vulgo empregado. Consequentemente, do outro lado dessas representações sociais temos, simultaneamente, nossa relação com o preconceito e a alteridade: mulher; negro/ indígena; ateu/ religiões de culto afro ou ameríndio; homoafetivo/ travesti/ transgênero; deficiente/ doente crônico; gordo e pobre/ desempregado. Dessa maneira, retomamos nosso problema com a instituição do preconceito como um instrumento da instituição da desigualdade social. Afinal, somos animais sociais transformados em seres humanos a partir do processo de humanização que ocorre por meio da significação que atribuímos aos nossos sentidos e relações a partir da nossa relação com o outro. Ou seja, nossa parcela psicológica e social necessita do outro para transformar nossa parcela biológica em humana, assim precisamos aprender a significar nossa relação com o outro (alteridade) em ação ética e política, não em preconceito.


5-Uma indignação:
Qualquer forma de desigualdade.


6-Um objetivo:
A construção de uma sociedade menos desigual.

7-A sororidade:
O debate sobre sororidade é recente dentro do Movimento Feminista e originalmente está relacionado ao empoderamento e fortalecimento mútuo entre mulheres, como uma irmandade. Nesse sentido, a discussão sobre sororidade procura fortalecer laços de confiança e companheirismo entre as mulheres, combatendo a visão de que mulheres são competitivas entre si, uma vez que o alvo dessa competição, na maioria das vezes, seria o homem ou os benefícios de ser homem em uma sociedade patriarcal; ou ainda, resistindo a situações em que as próprias mulheres recriam situações de machismo ao culpabilizar a vítima de estupro e/ou violência doméstica e familiar, por exemplo: “Também olha a roupa que ela estava”; “Parece que gosta de apanhar”. Uma vez que, mulheres são vítimas de estupro mesmo quando estão de burca, assim como, já sabemos que existe um ciclo de violência e opressão instituído em nossa sociedade e responsável pela manutenção de mulheres em situação de violência. Todavia, ao problematizar a questão da sororidade, não podemos perder de vista que estamos em uma sociedade capitalista, ou seja, como pode haver uma relação de irmandade entre mulheres que supere a desigualdade entre classes sociais? Por exemplo, como construir a sororidade entre a babá, que muitas vezes deixa de cuidar dos seus próprios filhos, e a patroa?

8-Uma mulher inspiradora:
Seria injusto e indelicado, dentre tantas mulheres fundamentais para a história da Humanidade e, sobretudo, para a libertação das próprias mulheres, citar somente uma mulher inspiradora. Prefiro que façamos o exercício de manter viva a luta de mulheres que reivindicam seus direitos diariamente na batalha da vida: como aquelas que não puderam estudar e trabalhar no que queriam; ou aquelas que não puderam reconhecer suas obras científicas, literárias e artísticas; aquelas que foram violentadas e transformaram o combate à violência contra a mulher em nossa luta; aquelas que pacientemente compreendem outra mulher vítima de um relacionamento abusivo e/ou violento; aquelas mulheres que lutam diariamente pela superação dos determinismos biológicos significados em determinismos sociais, que nos retiram direitos sobre nosso corpo e nossa vida. Mulheres que vivem em cada uma de nós!

9-As escolas:
Analiso as escolas como um espaço público de atuação política, principalmente quando se trata de escola pública em que a instrução obrigatória é marca da sociedade capitalista em que sempre ficou muito clara a separação entre formação na escola pública para os trabalhadores e formação das escolas particulares para os intelectuais; devido essa separação social-histórica entre trabalho manual e trabalho intelectual, que representa a divisão de classe social e, consequentemente, mais uma forma de desigualdade. Concomitantemente, a escola, como qualquer outra instituição social tem seu papel de criação da sociedade e controle social, ou seja, ela reflete como a sociedade está organizada e, ao mesmo tempo, colabora para a construção da sociedade. Portanto, não podemos pensar um projeto de sociedade autônoma e menos desigual com a escola hierárquica, autoritária e sucateada que temos. Uma vez que, a educação que ocorre dentro da escola é só uma das formas possíveis, tanto de modelo como de princípio, pois a constituição das relações sociais também contribui para outra forma de aprendizado: o contínuo processo de humanização.

10. Ser professora:
Ser professora, além de uma atuação pedagógica delicada e importante, é uma atuação política, em que não há como desvencilhar do processo de ensino-aprendizagem a interferência das concepções de mundo que constituem o “ser professora”. Por isso, um dos maiores desafios da educação é a formação docente que também passa pela (i)relevância da formação política em nossa sociedade. Por exemplo, tão importante quanto aprender Língua Portuguesa e Matemática é aprender a não tratar a mulher com machismo, o negro com racismo, o deficiente com discriminação. Porém, dentro da escola, ainda vemos partir dos próprios professores comportamentos preconceituosos. Por isso, é um trabalho que exige a autoavaliação permanente, assim como, o comprometimento com os direitos sociais e o projeto de sociedade que queremos construir.

(*) Fernanda Gomes Serafim, de 30 anos, é professora da rede estadual de educação do Mato Grosso do Sul. Mestre em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS – Campus Pantanal  -  Área de Concentração em Educação Social. Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

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